terça-feira, 7 de abril de 2009

Parte da Entrevista que Maitê Proença concedeu á Revista Amiga em 1985, onde fala a respeito de "Dona Beija"


Atraída pela instigante personalidade de uma cortesã mineira do século XIX, Maitê Proença saiu da TV Globo e se aliou à Manchete no projeto mais ousado da emissora. Com a estréia de Dona Beija, primeira novela produzida pela TV Manchete, o público poderá assistir ao trabalho desta atriz que não teme os riscos nem as críticas. Muito pelo contrário: ela prefere quando a vida se apresenta cheia de questionamentos e supresas. Maitê, 27 anos, é capaz de ir ao fim do mundo e de se lançar na mais louca aventura por um bom trabalho. "Me dá uma angústia profunda saber que estou presa a atriz. Além disso, detesto a estagnação e preciso mesmo de sobressaltos e de coisas inesperadas."

Como é que foi a preparação da atriz Maitê Proença para viver com emoção e verdade a estória de Dona Beija?

— Eu já tinha uma certa intimidade com essa época, com a estória (História, como era escrito na época) de Dona Beija, porque ela é uma contemporânea da Marquesa de Santos.

Eu ia fazer a série na Globo, mas eles suspenderam o projeto. Agora, a Manchete resolveu fazê-lo e eu reacendi um pouco a minha memória lendo o livro do Thomas Leonardos, A Feiticeira de Araxá, e o do Agripa Vasconcellos, que são biografias de Dona Beija.

E o que tem essa estória, essa mulher, de tão instigante que levou duas emissoras de TV a se interessar em produzi-la e que, principalmente, fez com que você aceitasse o papel?

— Acho muito importante o fato de poder retratar um pouco a História do Brasil através de um veículo tão abrangente como é a televisão. Neste país as pessoas têm tão pouco acesso à informação...

Se levarmos em consideração o tempo que você tem de carreira (sete anos), Dona Beija é uma personagem difícil, que tem toda uma impostação, os gestos são medidos e o falar tem que estar em harmonia com a época...

— A personalidade da Beija é extremamente instigante. Para uma atriz, não é somente uma personagem, é um prêmio. Ela é uma pessoa "avant-garde" para a época, as atitudes dela eram muito controvertidas até para ela mesma. A Beija agia contra a sua própria moral e o seu estímulo interior eram o rancor, o ódio e uma necessidade de se vingar do que lhe foi imposto pelo destino. Ela não é uma personalidade linear, não é uma pessoa que faz o que quer; ela é uma pessoa que faz também o que não quer para dar um troco aos homens e à sociedade, e isso tudo a torna muito conflituada. E dosar emoções tão contrastantes numa personagem assim é muito instigante.
Qual o compromisso do artista com essa retratação da história, com o resgate de valores, de épocas...

— A arte é uma forma de expressão das mais louváveis e das menos nocivas. Não é como um movimento de quebra-quebra na rua que tem seus frutos e que tem também seus pontos claudicantes. Você faz um movimento popular quebrando coisas por um desapreço que se tem em relação a uma determinada situação, é uma coisa emocional de uma população que está sendo massacrada. A Arte é um veículo de expressão que carrega com ela beleza e emoção. Através de sua arte um povo expressa tudo o que tem de mais genuíno.

As telenovelas estão aí, ocupando um largo espaço na programação e distribuindo para todo o País conceitos de vida, de moda, ideologias... Você acredita que a televisão enquanto um veículo de massa poderia ter uma programação mais elucidativa e menos comprometida com interesses comerciais?

— Acho que as telenovelas brasileiras estão mudando de fisionomia, e o sucesso de Roque Santeiro mostra isso. As pessoas se aperceberam de que o Brasil está num outro estágio - com abertura claudicante ou não. O claudicante fica por conta do veto ao filme. Dessa estória de Je Vous Salue Marie. O país vinha muito bem no plano das idéias e muito mal em tudo o que se refere a números: déficits, inflação, de desemprego e tal. Agora, parece que com esse novo pacotão a situação se inverteu. A princípio, estou aplaudindo de pé as medidas que foram tomadas no plano econômico, mas estou também bastante decepcionada com essa estória toda que está se fazendo em torno desse filme. Acho que a pressão da Igreja é completamente injustificada; o Godard tem mais o que fazer do que ficar achincalhando a imagem da Virgem Maria; acredito que a idéia dele não era essa. Quem conhece a obra do Godard sabe que há coisas mais importantes na cabeça dele, e a Igreja devia ter mais o que fazer do que ficar criando essa guerrinha inútil em relação a um filme que não denegre em nada a imagem de Maria. Acho que a gente tem que conhecer as coisas para avaliar, a partir do nosso próprio conhecimento. Não se pode deixar de ter esse acesso por causa de um veto superior. Ninguém é obrigado a ir a um cinema e comprar um ingresso para ver um filme. E em não indo, como que a pessoa pode sentir-se agredida por um filme sem tê-lo visto?

Aparentemente, não só as coisas do campo político se reabilitariam perante você, não é? Há algum tempo você brigou feio com o Herval Rossano (Diretor de Dona Beija) na Globo e hoje a rixa entre vocês parece estar sanada. É assim mesmo?

— Eu trabalhei com Herval na primeira novela que fiz na Globo, e tinha acabado de trabalhar com Antunes Filho, que era um processo de vanguarda no teatro, uma coisa experimental, e entrei de cara naquela engrenagem da televisão. Isso tudo, junto com o processo de trabalho do Herval, me assustou. Hoje em dia, já não mais tão assustada, estou gostando muito de trabalhar com ele. O Herval é uma pessoa objetiva, que sabe o que quer e, ao mesmo tempo, que ouve as necessidades da gente. Às vezes ele até aparenta não escutar, mas no dia seguinte volta com alguma coisa que tem a ver com aquilo que o ator disse ontem. No fundo, eu sei que ele é uma pessoa extremamente sensível, ligadíssimo a tudo o que está acontecendo ao redor, apesar de toda uma couraça aparente. Ele tem capricho pela opinião de quem está trabalhando com ele, pode até — para quem não o conhece muito bem — parecer que não, parecer que ele tem desdém, mas isso não é verdade.

Você não teve nenhum receio mesmo em aceitar o papel e ter que trabalhar com o Herval?

— Não. A gente até brincou a respeito disso. Eu falei para ele: como é que vai ficar o campo de batalha? Será que vamos conseguir deixar as armas de lado? Não tenho nenhuma queixa ao tratamento que venho recebendo; o Herval está dando as víceras para que o projeto Dona Beija dê certo. Isso estimula todo o mundo. Ele imprime um ritmo apaixonado, e as pessoas que estão ligadas aos projetos chegam à conclusão que, se esse homem que está com todo os problemas na cabeça é capaz de trabalhar com tal ênfase, então eu, que estou apenas em uma das áreas, tenho também a mesma obrigação. A gente está se dando maravilhosamente bem, é ouro sobre azul.

A briga entre vocês na Globo foi então fruto da tua imaturidade?

— Foi sim... Era insegurança minha devido ao ambiente e a códigos que eu não conhecia. Com os anos e o contato com o próprio sistema, esse medo foi embora e hoje compreendo o Herval como pessoa, como personalidade; eu consigo ler nas entrelinhas dele e tenho prazer nisso, porque acho que ele é uma bela pessoa. Gosto do trabalho dele, o Herval é extremamente competente, ele dá segurança ao ator porque sabe o que quer e é objetivo.

Comenta-se que você pediu para regravar a cena em que a Beija toma banho de cachoeira porque não gostou do trabalho da dublê...

— Essa é uma nota que saiu na imprensa a partir de um sonho de alguém, nessas noites de verão.

Mas você não quis gravar a cena...

— Não tive nenhuma objeção em relação a isso. Havia uma pessoa escolhida para fazer essa cena talvez até por uma preocupação do Herval. Ninguém me perguntou se eu faria ou não a gravação, não existe o hábito desse tipo de cena em televisão, e talvez o Herval quisesse me resguardar até por questão de cuidado. Ninguém impôs, eu também não pedi dublê, ninguém discutiu isso. O circo já estava montado a partir de uma atitude muito gentil até do Herval. Outras cenas foram gravadas sem dublê.

Você acredita que a curiosidade da imprensa e do público quanto a esta cena foi maior porque você aceitou as propostas milionárias das revistas especializadas em nu artístico?

— Eu não tenho vontade nesse momento de fazer esse tipo de trabalho para revista masculina, mas isso não tem nada a ver com o meu trabalho em Dona Beija.

Como é que você transa a popularidade? A Maitê do público é a verdadeira Maitê ou uma interpretação? O assédio do público te incomoda?

— Olha, eu acho que a gente entra na chuva é para se molhar e se eu não quiser ser "incomodada", ter esse tipo de contato, pode-se sair para o meio do mato, viajar para Fernando de Noronha... A gente não pode tratar a pontapé as pessoas que têm interesse, carinho mesmo pela gente. Não tenho muita vocação para o mau-humor; se saio na rua, sei o que vai acontecer e então vou preparada para transar isso da maneira mais leve.

Entrevista realizada pela revista Amiga em 1985, retirada do site da atriz.

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